Imóveis seculares clamam por socorro no Recife. Sem preservação, construções estão degradadas
Um casarão secular em ruínas, sem calendário estabelecido para trazê-lo de volta à vida. A cena ainda pode ser encontrada em meio à movimentada praça Pinto Dâmaso, no bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife. O prédio onde funcionou o primeiro centro odontológico da América do Sul, Hospital Magitot, ameaça desaparecer. O mato e o lixo parecem imperar em desfavor da importância histórica do lugar, datado de 1905 e hoje alvo de vandalismo.
A promessa de requalificação do espaço, anunciada desde o ano passado pela Prefeitura da Cidade, ainda não tem orçamento para se tornar realidade. Essa é só mais uma página do vasto recorte de falhas quanto à preservação de imóveis na Capital, se estendendo a vários outros pontos. Na visão de especialistas, assim como dos moradores, ainda falta harmonia entre o passado e o presente.
“Cada vez mais temos acompanhado iniciativas para a promoção do novo e do moderno, deixando de lado importantes capítulos da construção da nossa identidade. A chegada do progresso não pode simplesmente aniquilar as memórias existentes”, afirma o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (Cau-PE), Roberto Montezuma. Na visão do especialista, no caminho para completar 500 anos, as iniciativas de preservação ainda são incipientes no Recife, incapazes de atender à grande demanda. “Além do poder público, a ordem privada ainda parece fechar os olhos para o problema. Os trabalhos de restauro quase sempre são bem onerosos, mas com as parcerias corretas podem ser atenuados. É preciso dar o primeiro passo”, salienta.
Na Várzea, o mencionado chalé de estilo romântico e arquitetura inglesa, na rua Azeredo Coutinho, conseguiu ser incluído, em maio deste ano, na relação de Imóveis Especiais de Preservação (IEP). De acordo com a PCR, a ideia é transformá-lo em uma espécie de mercado público. Os trabalhos de restauração seriam divididos entre a parte interna e externa, apenas esta última orçada em cerca de R$ 1,5 milhão. O desafio diz respeito ao resgate das suas características originais, bastante avariadas.
Atualmente, o teto já não existe e apenas as paredes lutam para se manter de pé. No passado, incêndios destruíram o piso. Já a ação da chuva espalhou a ferrugem por toda parte, inclusive as esquadrias. “Hoje se tornou um abrigo para bandidos e o consumo de drogas, não há qualquer vigilância. A beleza acabou dando lugar ao medo”, diz a aposentada Virgínia Melo, 67,
Passando para o Centro do Recife, o casarão que abrigou a antiga sede da Associação de Ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, localizada no pátio de Santa Cruz, também pede socorro. O prédio também já abrigou uma escola e serviu até de palco para montagens do cinema. No entanto, a sua aparência em nada se assemelha a beleza e o glamour. A deterioração interna e externa é notória, além de um grande emaranhado de fios à sua volta. Na praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, a casa onde viveu a escritora Clarice Lispector é uma crítica recorrente. Desocupado desde 2010, quando se começou a cogitar a criação de um memorial, o imóvel vem sendo destruído gradativamente. A proposta de reforma, em torno de R$ 2 milhões, ainda se mantem travada pela falta de recursos.
Para a historiadora e especialista em patrimônio, Maria Cristina Balbino, é preciso um olhar mais atento. “A cidade é um ser orgânico e cheio de vida, como cada um de nós. Muito além da arquitetura e assinaturas de renome, os seus prédios estão carregados de emoções singulares. Conhecê-los é uma viagem de retorno às nossas raízes”, explica. Ela lembra a importância do casario na rua do Imperador, no bairro de Santo Antônio; os casarões na avenida João de Barros, em Santo Amaro; e, ainda, as moradias singulares na estrada do Arraial, em Casa Amarela.
Fonte: FolhaPE/Fotos: 1.Felipe Ribeiro/2.Paulo Almeida
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